(CONCLUÍDO) [Alexander e Charlie] The Devil Inside Us.

Tinha a constante mania de esgueirar-se pelas sombras, sentia-se mais confortável assim, algumas vezes, quando desejava evitar olhares ou qualquer coisa do tipo: e era o que precisava, agora num geral. Evitando que qualquer um lhe julgasse pelas decisões e exasperações de Hector.

O cenário nunca se alterava muito, o que agradava a Charlie de certo modo. Sempre muita neve, sempre muito cinza. Havia algo de reconfortante naquela ausência total de cores, onde podia vê-los, um a um pelas roupas que vestiam – às vezes, quando se esforçava, até mesmo pelo cheiro – não era diferente com Alexander.

O tempo era curto, contra si, nunca ao seu favor.

– Por quê? – A voz da criatura andrógena ecou atrás de si. Ao virar-se, veria Charlie, não muito diferente do que estivera antes: seus traços que nunca deixavam que as pessoas tivessem certeza do que se tratava, havia um brilho felino nos olhos, enquanto observava Alexander, a pergunta parecia perdida, levemente solta.

– Tenho apenas algumas horas para fazer Hector mudar de ideia... Mas me pergunto constantemente: por quê?

Alexander foi pego de surpresa.
Percebia movimentos ao redor com facilidade, mas Charlie foi sem dúvida invisível e completamente silenciosa.

A voz, porém, foi reconhecida instantaneamente, por mais que a garota (era mesmo uma garota?) falasse pouco.
Talvez lembrasse claramente devido a tensão dos últimos momentos...

Não a conhecia, isso era fato. Apenas lembrava de sua selvageria contra os bárbaros e de sua coragem contra Fal Grey. Mas o olhar felino, indiferente, lhe vazia ponderar sobre até onde Charlie era capaz de ir por seus objetivos...

- Nós falhamos juntos. Ressurgimos juntos. Mas sabemos que o Legado não é composto apenas de nós três. - Não incluia Niume no Legado, nem Vaan. - Não sei se seu destino é realmente assassinar Hector, mas sei que não é aceitável permitirmos que o Norte caia nas mãos de dois tiranos Solares, esse Fal Grey e a tal Samae!

Parou de falar... Sua boca se contorceu em uma pequeno sinal de ódio que o Cavaleiro rapidamente controlou.

- São inimigos em comum e fortes demais para ousarmos algo isoladamente... Não há espaço para derrotas agora.

Fitou Charlie com um olhar suspeito.

- Mas você não se importa com isso, não é? Pelo que luta, Charlie?

Às vezes parava, olhando fixamente alguma coisa – ou pessoa – de modo talvez até incomodo, foi mais ou menos assim que fitou Alexander, por algum tempo, antes de piscar e mover-se, estava sempre movendo-se, quase como uma necessidade, andava de um lado para o outro ou simplesmente dava passos num direção qualquer, antes de voltar para onde estava. Podia ver as luzes dali, as tochas, as tendas, podia ver os homens, a movimentação.

Charlie sorriu, de costas para Alexander agora. – Falhamos? – Sentimentos, sensações, qualquer tipo de entoação... Era difícil identificar na voz do (a) sujeito (a). Charlie parecia... Vazio. Lambeu os lábios.

– A morte é só mais um passo. O destino é tão volúvel quanto uma amante... Qualquer escolha, qualquer passo pode talvez alterá-lo. Nunca me atrelo muito ao destino. Ele costuma cair entre os vãos.

Virou-se novamente para o cavaleiro. – Legado... – E sorriu, exibindo inicio de caninos pontiagudos. – Somos como ratos cegos... Correndo em direções diferentes. Como mudar isso? Como fazer diferente? – Quis saber. Havia em Charlie um real desejo em resolver aquilo... Em de certa forma, fazer parte daquilo.

– Samae? – Fremiu as narinas, como se incomodado, pressionou a testa. – Não importa. Eu os vejo... Sussurrando segredos entre si, sorridentes... Eu posso simpatizar com as dores das pessoas, de verdade, mas não com seu prazer. Há algo curiosamente entediante na felicidade de outra pessoa... E não sinto como se fizesse parte disso, como se quisessem que fizéssemos parte disso.. E em você, eu vejo a mesma coisa. A única diferença é que se esforça mais que eu. Por quê? O que te move, Cavaleiro? Fingem nos aceitar porque são forçados a fazê-lo. Como se fossêmos estorvos.

Passou os dedos sobre a testa de novo, sempre tão inquieta. Por que lutava? – Por que é natural para mim, fazê-lo. – E sorriu. - E o que te move? - Perguntou, mais uma vez.

O que me move?
Ela...
Como nos unir?
Com sangue...

Apenas acompanhava Charlie com os olhos enquanto se movimentava.
Ouviu cada palavra com interesse... Charlie tinha razão em sua frieza.
Não faziam parte disso. Não queriam que fizessem parte...
Mas não coubera a nenhum deles querer.

- Vejo como sinal de força, não se atrelar ao que dizem as Estrelas. Porém não confunda futuro com Destino...
"Se realmente há um destino, traçado pelos deuses...
Eles são cruéis."

Agora, conversando francamente, reconhecia que o Legado deveria mesmo ter passado mais tempo juntos...
Já começava a admirar mais o garoto
(ou garota?).

- Todos vivemos nossas tragédias particulares, não apenas nós que somo mais, mas não sei bem porque isso me interessa.
Imagino que o homem quebrado, à margem do desespero, encontra mais forças que o confortável e feliz, então tem mais Valor.

Não havia pensado sobre isso.
Acabara de perceber que se deleitava com o sofrimento ambíguo, misto, da felicidade que vira (ou contém) tristeza.
Sentia-se baixo por isso.
Sentia-se um lixo.

Foco...
- Já cada um de nós... - Fez uma breve pausa, tentando alinhar suas ideias. - Nós temos propósitos diferentes, caminhos e maneiras distintos, mas nosso objetivo final é o mesmo.

Tentava recompor o que sentia e o que viveu desde Haafingar. - Depois de um ano, cada um buscando suas próprias respostas, acredito que já devemos estar prontos para encontrar o nosso verdadeiro objetivo e seguí-lo juntos. Seja lá qual for.
Eu luto por Respostas. Há tempos sinto que preciso encontrar Redenção, Honra. Fazer Justiça... Eu sou um Cavaleiro no fim das contas!

O que fizeram até agora? Seriam um prenúncio à guerra?
- O mundo está quebrado e tudo isso mostra que mudanças estão a caminho. Nossa união vai sempre girar em torno de conflitos.
Por sangue, por governar, por libertar, por redenção...
No fim tudo é a mesma coisa. Luta.
Sim... somo ratos, enquanto separados.
Juntos somos deuses!

Pressionou a testa com os dedos, evitando as unhas tão afiadas. Absorvia o que era dito, destrinchando para uma compreensão mais rápida. Lambeu os lábios.

– O futuro é hoje. O amanhã pode jamais existir.

Observava o Cavaleiro, achando-o curiosamente intrigante. E talvez entre todos, um dos mais fortes. Sorriu.

– Renascemos das tragedias. Cavaleiro. São elas que nos moldam, nunca a felicidade, que nos acomoda. Está certo. Alguém à beira do desespero se move... Ou se entrega. Não há muitas escolhas. O excesso delas nos confundem.

Charlie não parecia muito confusa, ainda que suas dissertações fossem, num geral, muito soltas.

– Exato. E além do mais, temos meios diferentes de conseguirmos o que precisamos. É aí que pecamos. Temos que trabalhar juntos, mas isto, não quer dizer, necessariamente, que devemos fazer tudo juntos. E aí, pecamos ainda mais. Não enxergamos isto, e limitamos um ao outro.

E sorriu, sem efeito ou sinais de felicidade. Apenas os dentes brancos a amostra.

– Eu busco as perguntas. – Disse, nunca as respostas, não sabiam quais eram as perguntas... Não importava, então, achar as respostas. – Há vários caminhos para a redenção, Cavaleiro... Nem todos pacíficos.

Esfregou as mãos, as palavras dele ecoando em sua mente.

– Deuses...

Um suspiro profundo, Charlie parecia... Distante. – Deuses são crianças entediadas, Cavaleiro. Seremos, então, essas crianças? É o que busco. Uma forma de fazê-lo abrir os olhos. Não preciso de gostem de nós, nem quero. Mas precisam aceitar.

Voltou-se a Alexander.

– Quando saímos... Quando Hector retirou-se, minha mente fervilhava em ideias. Há coisas ainda que considero, mas antes de qualquer uma delas, tentarei uma vez mais... Eu os busquei antes, Cavaleiro, quando o corvo veio a nós, eu os busquei antes...O Legado. E os tentarei buscar mais uma vez. Mas esta... Está é a última, e é aqui, em que preciso que me ajude: me ajude a mostrar a eles que são nossas diferenças que serão nossos maiores trunfos.

Crianças?? Não conseguia entender como assemelhar um deus a uma criança...

- Não, um deus é supremo. Eles ditam regras, impõem limites. Limites necessários para não enlouquecermos. Ao mesmo tempo, são comedidos. Cada um cumprindo com seu propósito, agindo sobre a sua própria influência... Enquanto os homens permanecem a sua sombra, seguindo o que lhes é ensinado...

Balançou a cabeça. Era um debate desnecessário.
O garoto continuava a falar e as palavras enigmáticas faziam Alexander pensar cada vez mais.

Claro... Era necessário respeitar a cada um para conseguirem efetivamente agir em conjunto.
Fazer tudo junto seria mesmo demais. Já que eram um acúmulo de vontades superiores. Não havia ligação nenhuma que criasse qualquer líder ou qualquer subserviente. Por isso brigara com Hector há um ano...
Apenas esse pequeno erro...

- Entendo. Precisamos continuar sendo o que somos. Não precisamos moldar um irmandade falsa, mas pavimentar um caminho de sangue trilhado pela identidade de cada um.

Alexander passou a mão no rosto e franziu o cenho. Charlie os buscou?

- Por que todas as suas palavras me fazem imaginar que têm algo a mais a dizer? Você tem algum plano pra isso Charlie? Você sabe que Hector não vai mais participar do Tratado, então acha mesmo que conseguiremos agir separadamente?

– Deuses são crianças com poder em excesso, mimadas e entediadas. Nos jogando de um lado para o outro em batalhas para seu divertimento.

Fremiu as narinas, como se farejasse o ar por um instante, antes de voltar a encarar Alexander. Mas em silêncio, tinha a mesma opinião de Alexander, era um debate desnecessário, eram opiniões diferentes, pontos de vista diferentes. Diferenças.

Charlie respirou fundo.

Tinha as garras ainda suja de sangue da última vitima que abatera, mas parecia não se importar muito com o fato, observava-o com atenção, focando-se. Ela – ou ele – se aproximou de Alexander, a ponto de apenas um pequeno espaço lhes separarem. Fremiu as narinas uma vez mais, como se o estivesse farejando.

Ergueu a mão, as garras abrindo-se como uma flor. Parecia que ia tocá-lo, aproximou-a do rosto de Alexander, mas depois recuou bruscamente, afastando-se dele.

– Eu não... – E voltou a mão para a própria testa, indicando a cabeça. – Não entendo essas coisas. Essas conexões. Não fui criado para sentir. Hector é muito passional, eu, como seu guardião... Tinha que ser mais... – Vazio, lhe veio a palavra à mente, mas não disse.

Eu sempre tenho algo mais a dizer. É como agimos. Nunca ficar sem argumentos. Escute. – Disse. - Hector vai. – E pareceu tão certa sobre aquilo que franziu as sobrancelhas. – Ele vai. É nisto que preciso de sua ajuda. Lá... Você falou com ele. Não ouvi, não me atrevo a tomar as rédeas à frente de todos. Mas suas palavras... O fizeram lhe... Considerar, sabe? Eu vou convencê-lo a ficar. Preciso que me ajude a mantê-lo... Porque eu sou completamente incapaz de sentir essas coisas, posso ver os sentimentos nos olhos e ações, mas eu não os entendo. Você, por outro lado...

E sorriu, antes de suspirar pesadamente.

– Alguém que acredite nele, além de mim, naquele lugar. Acho que você consegue ser o que eu não sou... Um, hã, mediador, sabe? E aí sim, talvez minhas ideias façam mais sentido. Não posso jogá-las ao vento sem saber em quem poder confiar.

- Você é uma pessoa perigosa, Charlie... - disse com um sorriso no rosto. - Eu manterei o contato com o Tratado dos Pilares de Gelo e sob a liderança de Alfadur. Mas isso não nos impede de trabalhar juntos. Eu quero que sigamos o mesmo caminho, mas como ser um 'mediador'?

Alexander cruzou os braços, os movimentos de Charlie eram como os de um gato. Sempre frio, mas a qualquer momento poderia lhe arranhar ou lhe lamber... Essa dubiedade deixava o Cavaleiro levemente desconfortável.
Ele era, como Hector, mais acostumado a uma maior... distância... entre esses dois extremos.
Eram como lobos...

- Porém, compartilhar a nossa estratégia pode ser visto como traição...
Os outros senhores, principalmente os menores, têm medo de Hector e de sua religião. Se o desespero fizer com que a população do Norte abrace essas ideologias, todo o povo idolatrará a Hector e a influência dos senhores diminuirá. Claro que também há as atitudes incomuns, que assustam as pessoas... O ponto é que essa distância pode colocar vocês como os primeiros alvos dos possíveis espiões internos...

– Todos somos. – Disse Charlie, sem muita emoção, suspirando profundamente. Estava perdendo a linha, o foco das coisas. Sempre fora tão concentrada, o que estava havendo agora? Por que simplesmente não conseguia traçar as coisas de maneira mais fria e calculista?

– Farei com que Hector abra mão dessa estupidez... Será difícil, mas acho que consigo... – E respirou fundo.

Espiões.

Charlie sorriu.

Voltou-se para Alexander de novo.

– É disso que precisamos, Cavaleiro. Um espião. Um espião junto de Fal Grey. – E achava, realmente que Alexander compreenderia onde queria chegar, se aproximou, sem muitas cerimonias e segurou o rosto do Cavaleiro entre os dedos de garras afiadas.

Charlie tinha o hálito de morte.

Virou-lhe o rosto brevemente, e lambeu-lhe a lateral esquerda da face, tinha uma língua áspera, tão semelhante a língua de qualquer felino. Aproximou os lábios do ouvido do homem.

– Faça-os acreditar que sou uma mentirosa, um traidor. Não vai ser muito difícil, acredite nisso também. Faremos como os vermes, Cavaleiro, vamos devorar Fal Grey por dentro – Então soltou-lhe o rosto, afastando-se, caminhando para longe.

– Antes do dia chegar, entrarei em contato de novo, se tudo der certo entre mim e Hector, ele ficará, eu irei. Só vocês saberão.

E afastar-se-ia, para ir embora.

Ficou simplesmente atônito com a atitude de Charlie.
Era simplesmente um felino..
Tão claramente que assustava...

Esperava que aquela lambida fosse um bom sinal...

- Charlie, sei que você é imperceptível, mas não só Fal Grey conhece nossa essência, como conhece você pessoalmente. Não imagino que isso seja seguro!

Falava enquanto ela caminhava para longe, mas sem levantar a voz.
Fora uma conversa de estranhos sussurros.

- É por isso... - Disse o rapaz ou a moça. - Por me conhecer que será tão real. De todos você, eu quem realmente faria isso.

Charlie sorriu. Virou-se, andou na direção de Alexander de novo. Ele era tão... Puro, Charlie achava, algo tão diferente do que estava acostumada. Voltou perto do ouvido dele, lhe sussurrando o segredo que desejava revelar.

Spoiler:

Afastaria-se apó a confirmação dele, deixando-o finalmente.